segunda-feira, 19 de outubro de 2015

CORRIDAS: Firestone Firehawk 600

A Firestone Firehawk 600 foi talvez um dos maiores fracassos da história do automobilismo. E olhando hoje, foi também uma das piores ideias, porque estava tudo destinado a fracassar. A corrida seria a terceira da CART em 2001, e aconteceria no dia 29 de abril, no Texas Motor Speedway, em Fort Worth, Texas. A corrida teria 250 voltas no oval de uma milha e meia.

A CART seria a segunda categoria de monopostos a correr no Texas Motor Speedway. A outra era a IRL, que virou IndyCar Series, e corre lá até hoje. Este oval de uma milha e meia tem 24 graus de inclinação. Só para comparação, Michigan e Fontana, superspeedways que sediaram corridas da CART naquele ano, tinham 18 e 14 graus de inclinação, respectivamente. A própria CART já tinha vetado uma corrida no Texas porque a inclinação era alta. Antes do fim da construção, ficou inicialmente decidido que a pista teria duas inclinações diferentes nas curvas: Em cima, 24 graus para os carros da NASCAR, e 8 graus para os monopostos. Mas a ideia só durou até 1997, ano de inauguração do autódromo, e a CART perdeu o interesse de correr lá.

Até a Indy Racing League (IRL) aparecer e ter corridas bastante interessantes. Então, a CART achou bem legal ter uma corrida lá também. As negociações para a CART correr no Texas aconteciam no verão americano de 2000, até que ela foi confirmada na temporada de 2001, quando o calendário ficou disponível ao público.


As corridas da IRL eram muito boas, então a CART também quis correr lá. Aqui vemos Scott Sharp, na segunda corrida do Texas, no ano 2000.


Desde a confirmação da corrida, houveram preocupações com velocidades muito altas, e já haviam boatos de cancelamento da corrida, ou transferi-la para o circuito misto. A preocupação tinha sua lógica: comparado com os carros da IRL, os carros da CART eram verdadeiros foguetes, com motores turbo, muitos cavalos de força e pouco downforce. Sendo assim, era esperado que os carros corressem no oval a velocidades absurdas que talvez nem o corpo humano aguentaria. Nem o corpo humano aguentaria? Vamos lembrar disso para mais tarde.

A CART organizou um teste no dia 18 de dezembro de 2000, para tentar despreocupar a todos e silenciar os boatos. Foi só o primeiro, pois nunca houveram testes em conjunto lá. Kenny Bräck, que havia pilotado na IRL de 1997 a 1999, e conhecia o oval do Texas, foi o primeiro a testar. A velocidade que queriam alcançar era de 225mph (362km/h). Mesmo alcançando 221mph (355km/h) em um pouco mais de 100 voltas, todos ficaram satisfeitos com o resultado.


Esse era o oval aonde aconteceria a corrida


Logo depois, vieram um monte de testes privados. Jimmy Vasser chegou a 215mph (346km/h), e disse que daria para descer o pé no acelerador o tempo todo. A Patrick Racing, equipe de Vasser, agendou um teste de três dias, mas cancelou os outros dois, por terem buscado o que queriam nos testes.

A Green fez testes com Dario Franchitti, que chegou a 225mph (362km/h) em 190 voltas. Assim como a Patrick, a Green cancelou seu segundo dia de testes, por terem buscado o que queriam nos testes. O escocês disse que o carro chegava a uma força de 3G nas curvas, e que dava para colocar dois carros lado-a-lado durante a corrida.

Outros pilotos como a dupla da PacWest (Scott Dixon e Maurício Gugelmin), Hélio Castroneves, Tora Takagi também testaram na pista.

Kenny Bräck foi o primeiro a testar a pista do Texas. Aqui ele conta como foi.


A título de comparação, o recorde oficial da pista era de Tony Stewart, que em 1998, pela IRL, completou uma volta em 24 segundos e 59 milésimos, durante o treino classificatório. Durante a corrida, também em 1998, Billy Boat, com a ajuda do draft (quando dois ou mais veículos se alinham atrás do veículo a frente, diminuindo o arrasto, explorando o vácuo do veículo a frente, aumentando a velocidade e poupando combustível), fez 23 segundos e 759 milésimos em uma
volta. A volta mais rápida de Scott Dixon, que não precisou do draft, foi de 225mph (362km/h), 1 mph (2km/h) mais rápida que a volta de Tony Stewart, quebrando o recorde da pista.

Estavam todos satisfeitos ao final dos testes, e a pista passou por mudanças. Desde um muro de concreto no pit lane entre os boxes e a grama, a até deixar a pista menos esburacada, deixando a pista mais lisa e mais rápida, para acabar com as reclamações da turma da CART, que constantemente reclamava dos bumps que a pista tinha. Deixou a pista mais rápida? De novo, vamos lembrar disso para mais tarde. Acho que algumas pessoas sabem onde quero chegar.

E então chegou o fim de semana. Nos treinos da manhã de sexta, não aconteceu nada demais, e Tony Kanaan foi o mais rápido com o tempo de 22 segundos e 845 milésimos a uma velocidade média de 233mph (375km/h), sim, muito maior que o recorde de 225mph de Scott Dixon, nos testes privados, quando a pista estava cheia de bumps.

Adrián Fernández (na frente) e Michael Andretti (atrás) durante os treinos de sexta


A bruxa finalmente apareceu nos treinos da tarde. Maurício Gugelmin sofreu um senhor acidente nas curvas 3 e 4. Gugelmin já começou perdendo o controle na saída da curva 2 a uma força de 66G. Um dos seus pés ficou entre os dois pedais, e o carro começou a acelerar, escorregando pela reta oposta e batendo na curva 3 a uma força de 113G. O brasileiro afirmou ter apagado durante o acidente. Apesar de sair sem ferimentos graves (ferimentos leves nos ombros e costelas), Gugelmin desistiu de disputar a corrida por causa do acidente. Enquanto isso, Kenny Bräck era o mais rápido, com o tempo de 22 segundos e 821 milésimos a uma velocidade média de 233mph (376.2km/h).


Gugelmin é retirado de seu carro após o acidente


O acidente


Durante o dia, alguns pilotos deram suas opiniões sobre a pista. Bryan Herta, Paul Tracy e Bruno Junqueira reconheceram a velocidade da pista. Nicolas Minassian comparou a pista com uma montanha russa.

Foi a partir de sexta a tarde, que surgiram as primeiras reclamações. O diretor médico da CART, Dr. Steve Olvey, afirmou que dois pilotos estavam com tonturas e desorientados depois de chegar a velocidade de 230mph (370km/h), e que não conseguiam controlar seus carros depois disso. Não se sabia quem foram os dois pilotos, mas a dupla da Mo Nunn Racing, Tony Kanaan e Alex Zanardi, afirmou ter tido esses sintomas. Outro piloto que também admitiu ter esse problema foi o
mexicano Adrián Fernández. Olvey disse que em 25 anos trabalhando em automobilismo, ele nunca viu algo parecido.

As velocidades mais rápidas do fim de semana surgiram no treino de sábado de manhã. Paul Tracy quebrou o recorde da pista com o tempo de 22 segundos e 542 milésimos (236mph, 380km/h). Cristiano da Matta sofreu o segundo acidente do fim de semana. O brasileiro bateu forte na curva 3, mas não se feriu.

O treino de classificação aconteceu de tarde. Kenny Bräck marcou a pole com o tempo de 22 segundos e 854 milésimos (233mph, 376km/h). Dos 25 carros, só Max Wilson não passou de 226mph (364km/h), sendo quase dois segundos mais lento que Bräck. Dos 23 segundos por volta, os carros chegavam a uma força absurda de 5G por 14 a 18 segundos. 5G!

Kenny Bräck foi o pole-position


Depois do treino da CART, a Indy Lights, então categoria de base da CART, realizou uma corrida de 100 milhas (160km) na pista. Como os carros da Indy Lights eram mais lentos, não houve preocupação. Mario Dominguez e Dan Wheldon (ele mesmo!) eram constantemente os mais rápidos nos treinos chegando a 188mph (303km/h). Damien Faulkner ganhou a corrida, que apesar do acidente de Rudy Junco e Mario Dominguez, na reta oposta, não teve maiores preocupações. Afinal, era categoria de acesso e os pilotos eram inexperientes.

No fim de tarde daquele sábado, estavam todos preocupados com a segurança dos pilotos. Enquanto tinha ido ao centro médico para checar seu pulso fraturado (devido a um acidente em Long Beach), o canadense Patrick Carpentier chegou a mencionar que ele não conseguia andar em linha reta, depois de sair do carro, por uns quatro minutos. Uma pesquisa de última hora foi feita entre os pilotos, e o resultado foi alarmante: dos 25 pilotos, 21 sofriam de sintomas de desorientação e vertigem, como problemas de audição e visão, depois de correr mais de 10 ou 20 voltas. Também afirmaram ter visão e tempo de reação limitada. Isso acontecia porque os carros chegavam a uma força de 5.5G, quase o dobro que o ser humano aguenta, e mais ou menos que pilotos de caça experienciam por um curto período de tempo. Lembra quando escrevi: "Sendo assim, era esperado que os carros corressem no oval a velocidades absurdas que talvez nem o corpo humano aguentaria."? Exatamente! Agora some isso ao fato da pista ter ficado com menos bumps, e você perceberá porque foi um fracasso.

Patrick Carpentier conversando com membros de sua equipe, a Player's Forsythe


Olvey procurou o ex-diretor de vôo da NASA, Dr. Richard Jennings, para falar sobre tolerância do corpo humano a força G. Jennings disse que o corpo humano não aguenta mais que 4 a 4.5G. E os carros chegavam a 5.5G. Depois de tentar achar alguma maneira de contornar a situação, a CART adiou a corrida e mandou 60 mil pessoas de volta para suas casas. Os pilotos estavam aliviados de não poderem passar pela situação que poderiam ter experienciado.

Eddie Gossage, presidente do autódromo, criticou a decisão da categoria, alegando que a CART afirmou a ele que dava para correr, mesmo não realizando testes extensivos na pista.

A CART até pensou em remarcar a corrida, mas a falta de espaço no calendário resultou no cancelamento da corrida.

A Speedway Motorsports Inc., dona do Texas Motor Speedway, processou a CART, no dia 8 de maio, por quebra de contrato. Tudo se resolveu no dia 16 de outubro, quando a CART teve que tirar do próprio bolso um valor que não foi confirmado, mas que teria chegado a 7 milhões de dólares.

Durante o processo, foi descoberto algo muito grave: a CART ignorou vários pedidos de teste no autódromo antes da corrida, isso já com a pista recapeada, algo que eles não tinham feito, já que a CART testou com a pista cheia de bumps. Deram mole!

Toda essa confusão foi muito criticada pela mídia e pelos fãs. A CART foi até elogiada por não colocar a vida de seus pilotos em risco. Mas é inegável que essa corrida cancelada foi uma das principais responsáveis pela falência da CART, em 2003. Afinal, a CART perdeu dinheiro, e a organização ficou manchada, ainda mais pelas acusações de testes que não foram feitos.


A corrida seria transmitida pela Rede Record, aqui no Brasil. A Record, que transmitiu toda aquela temporada


Não quero que pensem coisas como "corrida em oval é errado" (digo isso porque é um oval, e ultimamente o mundo resolveu, de maneira injusta, iniciar uma cruzada contra as corridas em ovais), gente que pensa assim costuma ter mente fraca. O que quis dizer é que a CART se afundou no próprio olho grande em querer derrubar a IRL, ao querer fazer uma corrida que pareceria ser mais interessante, talvez até superando uma das pistas chave da IRL. Mas ela esqueceu de enxergar seus próprios limites. É o olho grande!

Um comentário:

  1. Bacana a matéria. Lembro deste cancelamento na época. Saudades da Cart, nunca mais tivemos carros de corridas tão bonitos e rapidos como desta epoca.

    ResponderExcluir